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Mediação vítima-infractor – Apav
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Mediação vítima-infractor

Em Maio de 1974, em Elmira, pequena cidade um pouco a norte de Kitchener, Ontario, no Canadá, dois jovens confessaram-se culpados da prática de mais de vinte crimes contra a propriedade, maioritariamente furtos e danos. O técnico de reinserção social responsável pela análise da situação dos dois jovens propôs ao tribunal que estes se encontrassem com cada uma das suas vítimas, de forma a melhor compreenderem a dimensão e o impacto dos seus actos, sugestão aceite pelo juiz, que suspendeu o processo durante um mês, período durante o qual tiveram lugar aqueles encontros. A decisão judicial foi no sentido da suspensão do processo condicionada à reparação monetária das vítimas pelos jovens. Três meses depois, os dois jovens voltaram a encontrar-se com as vítimas e entregaram a cada uma o montante correspondente ao dano causado.

Esta experiência bem sucedida levou à criação, no Canadá, do primeiro programa de mediação vítima infractor. Nos EUA, a mediação vítima-infractor surgiu pela primeira vez em 1978, no Estado de Indiana, tendo chegado à Europa pouco tempo depois.

A mediação vítima infractor é o modelo mais utilizado no âmbito da justiça restaurativa. Num processo de mediação vítima infractor, a vítima tem a possibilidade de se encontrar com o infractor na presença de um terceiro imparcial – o mediador. Ambos os intervenientes expressam o seu ponto de vista e os seus sentimentos acerca do crime: a vítima tem a oportunidade de confrontar o infractor com o impacto do seu acto e este tem por sua vez a oportunidade de assumir perante aquela a responsabilidade pela sua conduta e de compreender o mal que esta provocou. Para além disto, vítima e infractor têm a possibilidade de delinear, em conjunto, um plano de “restauração”, de reparação do dano causado, plano que se afigure justo e adequado àquele caso concreto.

A participação num processo de mediação é voluntária. O papel do mediador não é o de impor um acordo entre os intervenientes, mas sim o de promover a interacção entre vítima e infractor de modo a que cada um assuma um papel activo na construção de uma solução tida como justa por ambos.

A configuração típica de um processo de mediação abrange quatro fases:

  1. A entidade responsável pela selecção de casos envia a situação para os serviços de mediação;
  2. O mediador contacta, preferencialmente em separado, a vítima e o infractor, informa-os acerca do processo de mediação, confirma que ambos reúnem os pressupostos para participar – designadamente se estão em condições psicológicas de fazer com que esta decorra de modo construtivo, se a vítima não sofrerá vitimação secundária decorrente do encontro com o infractor e se ambos percepcionam a sua participação como voluntária – e prepara-os para a mediação. Esta fase é geralmente designada pré-mediação;
  3. Os intervenientes encontram-se e, na presença do mediador, apresentam a sua versão dos factos, exprimem os seus sentimentos e emoções e tentam acordar quanto à natureza e extensão do dano de modo a identificar os actos necessários à reparação. É nisto que consiste a sessão (ou sessões) de mediação propriamente dita;
  4. Caso tenha sido alcançado um acordo, a entidade responsável pela sua monitorização verifica o seu cumprimento. Caso não tenha havido um entendimento, essa entidade deverá informar a autoridade que encaminhou o processo para mediação acerca desse desfecho.

Importa contudo distinguir entre mediação directa e indirecta: na mediação directa vítima e infractor encontram-se efectivamente, “cara-a-cara”; na mediação indirecta tal não sucede, pelo que o contacto entre aqueles é efectuado através de um intermediário – o mediador -, que ou transmite oralmente a cada um as mensagens do outro, ou entrega as cartas ou os depoimentos gravados em áudio ou vídeo. Se é certo que a mediação directa é mais consentânea com os princípios e características da justiça restaurativa e tem provado na prática ser mais eficaz e satisfatória, não é menos verdade que a mediação indirecta tem sido também profusamente (nalguns casos até maioritariamente) utilizada, pois muitos casos há em que vítima e/ou infractor, querendo embora participar num processo de mediação, não pretendem encontrar-se directamente com o outro o que, em nome da autonomia e da voluntariedade que lhes assiste, é aceite pela entidade responsável pela mediação.

Em Portugal, o Ministério da Justiça deu início, em 2005, à preparação de um diploma legal tendente a introduzir a mediação vítima-infractor no ordenamento jurídico português. A proposta foi submetida a debate público, tendo sido aprovada pela Assembleia da República em 12 de Abril de 2007 e entrado em vigor em 12 de Julho do mesmo ano a Lei nº21/2007, que cria um regime de mediação penal. Complementarmente foram aprovadas três Portarias (ns.º 68-A/2008, 68-B/2008 e 68-C/2008, todas de 22.1) e um Despacho (n.º 2168-A/2008, também de 22.1) que regulamentam aspectos específicos deste programa.

Podem ser encaminhados para mediação processos por crimes contra as pessoas e por crimes contra o património, semipúblicos e particulares, puníveis com pena de prisão igual ou inferior a 5 anos de prisão ou com pena de multa, com excepção dos casos em que a vítima é menor de 16 anos, quando o arguido é uma pessoa colectiva ou quando se trata de crimes contra a liberdade ou a autodeterminação sexual. Caso tenham sido recolhidos indícios de se ter verificado crime e de que o arguido foi o seu agente, pode o Ministério Público em qualquer momento da fase de inquérito, se entender que desse modo se pode responder adequadamente às exigências de prevenção, remeter o processo para mediação, disso dando conhecimento à vítima e ao arguido. Pelo processo de mediação não há lugar ao pagamento de custas.

Não resultando da mediação acordo ou se o processo de mediação não estiver concluído no prazo de 3 meses (prorrogável por mais 2 meses por solicitação do mediador, em caso de forte probabilidade de acordo), o mediador informa disso o Ministério Público, prosseguindo o processo penal. A assinatura de acordo equivale a desistência de queixa por parte da vítima e à não oposição por parte do arguido, podendo aquela, caso o acordo não seja cumprido no prazo fixado, renovar a queixa no prazo de um mês, sendo reaberto o inquérito. O teor das sessões de mediação é confidencial, não podendo ser valorado como prova em processo penal.

in Manual de Criminologia e Vitimologia (2021), coord. Laura M. Nunes e Ana Sani, Ed. Pactor

 

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